A fauna das águas claras de Bonito – Revista Galileu Set. 2001

Texto José Sabino*
Fotos Luciano Candisani

*José Sabino é biólogo, doutor em ecologia pela Unicamp, pesquisador da Uniderp. Em Bonito, ele estuda comportamento de peixes e coordena um projeto de ecoturismo.

Há um lugar no Brasil imperdível para turistas em busca de mergulhos, passeios em águas transparentes e também para quem deseja ver peixes de cores e tamanhos variados. Trata-se de Bonito, em Mato Grosso do Sul. Lá, a transparência da água é quase total, devido ao calcário dissolvido, que age como um decantador natural. Com uma simples máscara de mergulho é possível ver peixes a 25 metros de distância. Em rios como o Baía Bonita, Sucuri e Olho D’Água, é fácil observar piranhas, joaninhas, dourados e o pequenino mato-grosso, de cor vermelho-escarlate. Mas, além do turismo, Bonito tem outra vocação: a ciência. Seus têm uma grande variedade de nascentes, com peixes nãos avistados em outros lugares. Só na nascente do Rio Baía Bonita – conhecida como Aquário Natural – vivem cerca de 30 espécies diferentes de peixes.

Mais que um espetáculo, a transparência das águas em Bonito é o fator que contribui decisivamente para o estudo dessa diversidade de animais e plantas aquáticas. As águas límpidas facilitam a entrada de luz, favorecendo a fotossíntese das plantas aquáticas. Estas, por sua vez, servem de abrigo e de alimento abundante às outras formas de vida. As seis principais nascentes da região, além do Aquário Natural, abrigam cerca de 80 espécies de peixes, das quais 20% ainda não foram descritas. Por isso, biólogos de outros Estados não resistem à tentação de mergulhar nessas águas claras.

Algumas pesquisas já renderam resultados surpreendentes, como a descoberta do crustáceo Potticoara brasiliensis. Os maiores exemplares medem cerca de 7 mm de comprimento, e foram encontrados em lagos subterrâneos da região, como a Gruta do Lago Azul, a mais famosa da cerca de 30 cavernas ali existentes. Trata-se de uma relíquia biológica, segundo a bióloga Ana Maria Vanin, do Instituo Oceanográfico da USP. O Potiicoara (pequeno camarão, em tupi) permitiu à pesquisadora reinterpretar parte da evolução dos crustáceos desde a época do Gondwana, como ficou conhecido o continente que começou a se dividir há 135 milhões de anos, formando a América do Sul, África, Austrália, Antártida e Índia. Hoje, grupo desse crustáceo milimétrico só é encontrado no Brasil e na África do Sul.

As águas claras da região abrigam outro animal raro, o cascudo albino (Ancistrus formoso), descrito por Eleonora Trajano, do Instituto de Biociências da USP. O peixe é cego, e só conhecido na nascente do Rio Formoso, a 40 km de Bonito. Como suas populações parecem ser pequenas, ele será relacionado na lista de espécies brasileiras ameaças de extinção a ser divulgada até o fim do ano. Estudar o peixe, porém, não é fácil. Ele habita túneis inundados, de 30 a 60 metros de profundidade. Não se sabe por que existem tão poucos espécimes. Mas outra bióloga, Luciana Paes de Andrade, da Uniderp, estuda um organismo que serve como indicador da qualidade da água: o caramujo do gênero Pomacea, sensível a poluentes. Quando sua população diminui, os cientistas sabem que algo de estranho está ocorrendo com a água.

Além de fornecer frutos e insetos como alimento aos peixes, a vegetação que margeia os rios evita que eles desbarranquem, ajudando a manter a pureza da água. Esse tipo de vegetçaõ, chamado de mata ciliar, é imprortante também para a fauna terrestre, pois forma corredores para animais de diferentes hábitos e tamanhos. Nas matas de Bonito há quatis, macacos-prego, antas, cutias, tucanos e mutuns (ave que figura na lista de espécies brasileiras ameaçadas de extinção).

Peixes que seguem macacos

A apenas 7 km de Bonito, no Aquário Natural, os pesquisadores registraram uma curiosa integração entre macacos e peixes. Eles descobriram que a piraputanga, uma espécie de peixe muito comum na região, tem o hábito de seguir os macacos-pregos. Enquanto eles se deslocam pelas árvores que margeiam o Rio Baía Bonita em busca de alimento, principalmente pequenos furtos, como figos silvestres, ingás e goiabinhas, elas ficam à espera do que cai na água. Os macacos costumam fazer grande algazarra pelo mato e se movimentam entre os galhos das árvores com tanta voracidade em busca de comida que, na pressa, deixam cair parte da refeição no rio. Os frutos, ao caírem na água, atraem a atenção das piraputangas. Pelo comportamento inusitado, os cientistas passaram a chamá-las de peixes seguidores. Não se conhecem outras relções desse tipo no Brasil. Algo semelhante só ocorre no Quênia, onde algumas espécies aparentadas das carpas seguem os hipopótamos. Quando nadam, eles levantam sedimentos que contêm pequenos invertebrados, um banquete para os peixes.

Galileu, Setembro de 2001.

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